Pelo fim dos golpes em Honduras e na América

Fronteiras que delimitamos...

Passados praticamente três meses do golpe militar que depôs o presidente hondurenho Manuel Zelaya, a situação de instabilidade ainda se prolonga na região e culmina recentemente em momentos decisivos. O Brasil, incidentalmente envolvido na crise, é hoje mais um dos países que apoia uma solução pacífica e célere da questão, de modo a permitir o expurgo de novos focos de conflito, como já verificados nos clássicos golpes de estado da América Latina.

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Na manhã daquele domingo, 28 de junho, um grupo de 200 soldados invade e prende o presidente de Honduras, José Manuel Zelaya Rosales, ainda em sua própria residência. Dali o envia a uma base aérea local para tomar um avião, ainda de pijamas, com destino ao país vizinho, a Costa Rica – sem, ao menos, comunicar o país. Aquele era justamente o dia em que se realizaria um referendo não vinculante para consultar a população sobre a possibilidade de criação de uma Assembleia Constituinte juntamente com a realização das próximas eleições (previstas para novembro).

Com o pretexto de defender o país de ameaças internas, como a possibilidade de reeleições ilimitadas do chefe do Executivo, os militares representantes da elite nacional romperam com a constitucionalidade do governo vigente e instauraram um novo. Assumia o presidente do Congresso, Roberto Micheletti, tendo o apoio das Forças Armadas e do Judiciário. O que não é algo inesperado no país. Honduras, um dos países mais pobres do continente americano, já possui um histórico de mais de cem golpes de estado - numa média de um a cada biênio – desde que conquistou sua independência política em 1821 da Espanha.

E a presidência, de quem é? Pela respeitabilidade ao governo legítimo de um país. (Foto: AP/Yanina Manolova)

As razões utilizadas, no entanto, não justificam a medida adotada. Zelaya foi eleito democraticamente pela população, e suas atitudes políticas eram permitidas. Uma Constituição notadamente pode ser substituída por outra organizada por uma Assembleia Constituinte, que tem a ampla faculdade de ser formada a qualquer tempo. Não há como uma presente ordem jurídica impedir que tal feito se realize. Além do mais, o referendo então proposto era puramente informal, isto é, não originaria a obrigatoriedade de execução de seu resultado. Acrescenta ainda o fato de a participação ter sido instituída como voluntária, sendo que as normas eleitorais do país disciplinam o voto obrigatório. Como dito, o valor da consulta não seria legal, mas puramente moral.

O que devemos aceitar é o simples respeito ao jogo democrático, sendo que a “direita” (ou qualquer outro grupo formado) não tem a liberdade de se insurgir deste ou de outro meio escuso para defender direitos egoísticos. Por mais que Zelaya possa ser definido como um caudilho dos tempos atuais, com medidas abertamente populistas, isto não dá permissão ou autorização à atividade de um golpe contra seu governo. Os mecanismos devem ser sempre legítimos na medida em que há legalidade do Estado.

Não cabe também, de modo análogo, que outro país interfira na política de uma nação soberana para decidir sobre questões internas. Esta deve ser de inteira responsabilidade da população local, que é por direito a detentora do poder e a competente para determinar sua gestão. Vige aqui o princípio da não-intervenção internacional. Não nos cabe então fazer um juízo de valor sobre o governo de Zelaya, se seria um bom ou mau estadista, pois esta questão é relativa apenas aos hondurenhos – e como já dito, Zelaya foi eleito democraticamente, sendo seu governo legítimo.

A atuação do Brasil, digna de muito louvor, vem sendo no sentido de que não haja um precedente moderno de convalidação de um governo golpista e que se restabeleça a ordem jurídica regular. O passado latino-americano não nos deixa esquecer as atrocidades vividas por um povo governado por regimes ditatoriais, com suas restrições às liberdades individuais e a não garantia de direitos sociais. Permanecemos, assim, esperançosos com o fim do conflito.

A falibilidade do Estado mínimo

A verdadeira meta do Estado

Proveniente das concepções ideológicas nascidas no cerne das revoluções liberais do século XVIII (tais como a Francesa e a Americana), a tese do Estado mínimo logo prosperou e atingiu grande parte dos Estados nacionais, para logo em seguida cair em descrédito. Após um novo suspiro de fortalecimento da doutrina, desta vez sob o recente manto do neoliberalismo, a atual ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, reanimou o debate retomando argumentação para rechaçar sua aplicabilidade.

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A partir das últimas décadas do século XX, grande parte dos Estados passou a reduzir sua participação na economia nacional, assim como nos setores sociais, para adotar uma política mais focalizada e limitada, como mero ente regulamentador de determinados setores. Mas como já observamos, tal postura de inabalável crença na solidez da economia livre como fonte de prosperidade ilimitada deu causa a diversos ciclos de colapsos econômicos no decorrer da idade contemporânea. Claras demonstrações, a exemplo, são obtidas com a recente crise financeira mundial que novamente expôs que o modelo liberal não garante estabilidade financeira de forma duradoura. Para superar a crise e evitar um período de recessão prolongada muitos países acabaram por recorrer, mesmo que em última instância, a práticas intervencionistas e protetivas.

Erros eles cometem, mas devemos dar crédito pelos acertos também...Presidenciável pelo PT de Lula em 2010, Dilma às vezes acerta em sua política. (Foto: Agência Brasil)

O Estado realmente deve incentivar e promover o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Para tanto, deve ele se fazer presente em alguns setores da economia tidos como estratégicos e essenciais, assim como controlar os excessos do ‘mercado’ – o que passa por planejamento e execução de políticas públicas comprometidas com a sociedade civil. Sua função, em sua verdadeira axiologia, é a defesa e a satisfação dos interesses individuais e coletivos, podendo se valer dos meios desejáveis e viáveis, de acordo com a lógica constitucional, para atingir seu objetivo.

Neste aspecto, a ministra Dilma Rousseff parece estar com a razão, pois querer que o Estado seja omisso é permitir o fortalecimento apenas daqueles que já são favorecidos economicamente, pois já possuem eles certos mecanismos de competitividade que os beneficiam em momentos de abalo na conjuntura nacional ou internacional. Assim como a adoção de políticas intervencionistas tão somente em situações momentâneas é uma solução paliativa, que não garante concretude e continuidade da gestão do interesse público.

Ser anacrônico e retrógrado é não rever a atuação estatal, que deve se renovar da melhor forma possível para se adequar à época vigente. Racionalizando suas condutas e logrando o consenso ativo dos cidadãos em seu plano político, o Estado deverá bem atender sua prioridade de alcançar uma finalidade em comum a todos, qual seja o bem-estar social.

A Missão Civilizatória do STF

...na promoção de valores éticos

Como órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) reúne atualmente os principais julgamentos com repercussão geral no país. Podemos perceber alguns desses casos – como nos exemplos Daniel Dantas, Palocci, células-tronco, Raposa Serra do Sol, Lei de Imprensa e diploma de jornalistas – em que parcelas da população se voltaram tanto em reprovação quanto com louvor aos votos dos ministros. É necessário dizer que, embora possa ser criticada por vezes em suas decisões, a corte, a meu ver, ainda apresenta importante e fundamental papel moralizante para a sociedade.

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A função do STF, como devemos constatar, não pode ser vista como simplesmente a de dizer o Direito no caso concreto para atingir, assim, apenas as partes do processo por ora em estudo. Seus julgados, numa análise muito utilizada, servem de referência jurisprudencial, pelos quais suas fundamentações acabam por transcender para outras decisões que venham a ser constituídas em situações semelhantes nos demais órgãos jurisdicionais. Reproduzem-se, assim, seus posicionamentos por todo o território nacional.

Onze homens e muitos ideais...A cúpula das concepções jurídicas. (Foto: Centro Cultural Justiça Federal)

Sempre afirmei que o Colendo Tribunal deve se ater às matérias mais amplas e gerais, sendo aquelas que devam ter vital importância para o país, e não em se debruçar sobre dissídios casuísticos quaisquer. Assim estaria ele debatendo os assuntos de interesse da coletividade e não os meramente da singularidade. Admito que o STF não é infalível e nem está acima das críticas, mas dos entes democráticos é um dos mais racionais.

A Lei Maior de nosso Estado já reserva ao tribunal a função precípua de guarda da própria Constituição. Não se trata, contudo, de apenas fazer o controle de constitucionalidade das normas jurídicas – a fim de manter a Rigidez e a Supremacia da Constituição – tornando o ente, no que chamamos, em pura Corte Constitucional. Conservar apenas a forma ou a técnica legislativa é querer falsear a realidade.

A defesa da Magna Carta não se verifica na sustentação única de seu texto, mas na proteção dele como sendo a expressão dos valores sociais e políticos inerentes à construção de um Estado Democrático e Social de Direito. O STF se posiciona, por tudo e em tudo, numa atribuição também correcional, como guardião dos princípios ético-jurídicos que devem nortear a sociedade, moldando-os e propagando-os. Na promoção de uma Cultura Humanística e Filosófica encontramos o que é se atribuir como um Pretório Excelso.

A invenção dos Atos Secretos

A classe política brasileira sempre se encontra na vanguarda mundial quanto à inovação dos modelos de gestão da coisa pública. Não bastou ter índices medíocres de eficiência na corrupção, mas teve que incrementar também com o que há de mais novo na eficácia desses atos. Assim surgiu o paradigma dos “Atos Secretos” , rompendo com uma cultura milenar tendente à transparência e publicização dos atos praticados pelo Estado. Talvez o Senado brasileiro – tendo à frente o nome de José Sarney (pelo PMDB do Amapá) - considere esse um costume já obsoleto e ultrapassado.

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Resultante de um longevo e exaustivo conflito de classes, os plebeus romanos do século V a. C. puderam, por fim, consquistar a vitória a qual desejavam: instituíram a Lei das XII Tábuas (a Lex Duodecim Tabularum). Gravada em 12 fragmentos de madeira ou bronze (não se sabe ao certo), a primeira lei romana passara então a ser escrita e conservada no Fórum – local de amplo acesso à população – para que todos pudessem ter conhecimento de seu conteúdo.

A Lei não consistia num Código tal qual conhecemos modernamente (com uma estrutura harmônica e sistematizada), mas era uma compilação e consolidação de regras consuetudinárias (preceitos frutos do costume e transmitidos por via oral entre as gerações) do povo romano. Tal estruturação de regras escritas e públicas já não era um exemplo novo, sendo já utilizado em outras regiões do globo. Mas até aquele momento, nos domínios romanos, as regras eram mantidas apenas ao alcance dos patrícios e pontífices – representantes de sua elite. Publicar – que é o ato de tornar público – o texto da Lei, permitiu, então, assegurar a todos os indivíduos o sentimento de maior segurança jurídica, que consiste na confiança em que as instituições do Estado e seu regimento serão estáveis e que nenhum cidadão será surpreendido com nenhuma norma que previamente não poderia conhecer.

Ele nunca deixa de andar por estes caminhos...O cenário político brasileiro já carrega fortes marcas deixadas pelo percurso feito por Sarney.

Por via de consequência, para tornar possível à população maior controle e fiscalização das atitudes dos administradores estatais – seus legítimos representantes, passou-se a entender que não só os atos legislativos deveriam ser reduzidos a escrito e divulgados o seu teor, mas também que todos os demais atos praticados pelo Governo assim também deveriam ser. Por sua vez, nosso Senado Federal entende não ser necessária tal providência, talvez por crer que nem todo ato administrativo é merecedor de tamanha ‘burocracia’, sendo mero formalismo descabido a sua publicação oficial.

Que mal haveria na edição nestes últimos 10 anos, e em especial na atual presidência senatorial, de medidas que beneficiem apenas um pequeno número de parlamentares e pessoas a eles vinculados sem a devida publicidade? Haveria um modo de mensurar os prejuízos ao erário público?

Talvez sejam realmente custosos aos Cofres da Administração Pública certos atos que nomeiam funcionários, elevam vencimentos, favoreçam parentes dos parlamentares e distorcem as prestações de contas. Mas, apesar dos fatos evidenciados, o brasileiro continuará a acreditar que o uso dos recursos só veio para atingir o interesse público e que nenhum político faltou com a devida lisura. Afinal, como se acredita por muitos, os meios não são de todo o interesse, basta que se alcance as metas desejadas.

Segundo Jayme de Altavila, a publicação das leis romanas, em especial a Lei das XII Tábuas, apregoou muito bem “o sangue, os nervos e o espírito de Roma”. Talvez, então, encontremos nos Atos Secretos os nossos.

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